"Que coisa extraordinária me vai acontecer hoje?". Lembro-me de acordar com esta pergunta na cabeça, de viver dias inteiros, meses, com esta expectativa. E durante bastante tempo, a realidade esteve à altura da minha imaginação. No fundo, era eu que talvez via nas mais pequenas coisas uma magia maior do que elas algum dia poderiam comportar. E assim deve ser, porque eu mudei e essa pergunta desapareceu. Foi substituída por aquela moleza dificíl de sacudir na altura de sair da cama. "Mas afinal, porque é que eu deveria sair da cama hoje??".
Reconheço em mim uma nostalgia infinita pelo passado. Não é que seja saudosista, mas a vida quando nos leva as fantasias, não deixa atrás muita magia. O vocabulário de hoje inclui palavras que não faziam parte do meu discurso de há apenas alguns anos atrás: crise, inflação, desemprego, divórcio, medo, mágoa. Aprendi o que eram essas coisas e muitas outras combinações de palavras e novas realidades.
Claro que houve palavras novas boas e, se eu for justa e clara, chegarei à conclusão de que foram em muito maior número e intensidade. Ainda assim, sinto falta de acordar a interrogar-me sobre de que canto insuspeito saltará o meu sorriso do dia.
Com o passar dos anos, parece que somos nós que temos de criar essa alegria com os mais pequenos gestos e pensamentos. Na minha cabeça lembro-me de que "Deus está nos pormenores" quando cuido de uma planta ou bebo chá, lentamente e na temperatura exacta. Envelhecer, mais do que uma arte, é um acto de fé. Ser capaz de manter a chama viva.