Cecília Meireles
Nas noites de mau dormir conto histórias a mim própria para desacelerar o coração. Falo-lhe de uma mulher que não se importa, de ombros para trás e queixo bem erguido, que desafia os olhares que se lhe prendem quando toma as ruas. De ossos salientes e fortes e olhos frágeis e tristes, numa duplicidade encantadora que atrai e repele, conforme a hora e a circunstância. Ela é forte, ela é capaz de lidar com esta situação, ela não tem medo nem vergonha. Ela não tem expectativas. Mas eu tenho.
Eu tenho essas coisas todas e bastante mais. Os meus ossos partem-se. Por vezes, deixo tudo para ficar à espera mas tento enganar-me e pensar que estou em movimento. Mas nunca consigo. Vejo o que quero para além daquilo que posso ter e sinto-me sempre capaz de dar o salto. Tenho medo mas estou preparada para uma queda infeliz porque sei que aguento o impacto. O meu medo dá-me a certeza de que estou consciente dos riscos e aqui descubro a verdadeira coragem. Mesmo quando estou só. À espera.
De uma aventura para uma paixão perdem-se duas letras e quatro paredes intransponíveis que limitam o futuro. A paixão é uma planície aberta, quente e árrida, uma aventura uma brisa fresca que nos surpreende num dia de Verão. Sabe bem mas já passou antes de nos termos dado conta. Tão depressa quanto chegou. Foi bom não foi? Esta é a única pergunta possível e fazemo-la a nós, sorrindo, dias mais tarde.
Com a paixão o diálogo é mais complexo, porque os sentimentos também o são: "Quando é que te posso voltar a ver? E amanhã?" Fazem-se sacrifícios, encontram-se compromissos. Ganham-se riscos e uma gama completa de promessas difíceis de cumprir. Existem expectativas. Mea culpa. Tenho expectativas e não queria admiti-lo, pensando que não poderiam ser satisfeitas. Ouvindo que não poderiam ser satisfeitas. Mas esqueci-me que as expectativas não ouvem que sim nem que não, despontam do sentimento e podem cair no chão ainda botões de flor fechados. Faz parte da sua natureza, tal como faz parte da minha tê-las, tratar delas e fazer por que a tal flor desabroche, ansiosa por descobrir cores e cheiros. Porque eu nasci na Primavera e dela recebi a capacidade de ver o que as coisas podem ser em vez daquilo que são e a fé que de um galho seco pode surgir a qualquer momento um rebento rejuvenescedor.
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