Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Tuesday, September 28, 2010

Coisas extraordinárias

"Que coisa extraordinária me vai acontecer hoje?". Lembro-me de acordar com esta pergunta na cabeça, de viver dias inteiros, meses, com esta expectativa. E durante bastante tempo, a realidade esteve à altura da minha imaginação. No fundo, era eu que talvez via nas mais pequenas coisas uma magia maior do que elas algum dia poderiam comportar. E assim deve ser, porque eu mudei e essa pergunta desapareceu. Foi substituída por aquela moleza dificíl de sacudir na altura de sair da cama. "Mas afinal, porque é que eu deveria sair da cama hoje??".

Reconheço em mim uma nostalgia infinita pelo passado. Não é que seja saudosista, mas a vida quando nos leva as fantasias, não deixa atrás muita magia. O vocabulário de hoje inclui palavras que não faziam parte do meu discurso de há apenas alguns anos atrás: crise, inflação, desemprego, divórcio, medo, mágoa. Aprendi o que eram essas coisas e muitas outras combinações de palavras e novas realidades.

Claro que houve palavras novas boas e, se eu for justa e clara, chegarei à conclusão de que foram em muito maior número e intensidade. Ainda assim, sinto falta de acordar a interrogar-me sobre de que canto insuspeito saltará o meu sorriso do dia.

Com o passar dos anos, parece que somos nós que temos de criar essa alegria com os mais pequenos gestos e pensamentos. Na minha cabeça lembro-me de que "Deus está nos pormenores" quando cuido de uma planta ou bebo chá, lentamente e na temperatura exacta. Envelhecer, mais do que uma arte, é um acto de fé. Ser capaz de manter a chama viva.