Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Friday, July 31, 2009

The sky is falling

Lamento. Hoje não há poemas. Se estão à procura disso, é melhor ficarmos por aqui. Hoje o céu está a cair e, por mais que eu quisesse ver estrelas e possibilidades remotas, só consigo ver os estilhaços do Universo a aproximarem-se depressa. Parecem cortantes. Afiados.

Há dias assim. A maior parte das pessoas não gosta de falar deles. Mais, a maior parte das pessoas não gosta de ouvir falar deles. Preferimos todos dizer "Tudo", quando nos perguntam à pressa "Tudo bem?", ou "Estás boa?".

Eu não sou a maior parte das pessoas (mas gostava mesmo de ser). Eu odeio quando me perguntam se está tudo bem, porque sei que, do outro lado, se espera que eu diga "Tudo". E muitas vezes não está. E não há nada de mal nisso.

Não me digam para me alegrar. Não me digam que amanhã será melhor. Eu sei disso. Mas, hoje, o céu está a cair. E eu não vou fechar os olhos. Vou abri-los ao máximo e, com eles bem abertos, vou olhar para os pedaços que caiem e tentar absorver todos os pormenores das suas formas. Vou tentar perceber se se deslocam à mesma velocidade e não me vou desviar um centímetro sequer para os evitar. Vou sentir a dor e fazer por me lembrar dela.

As malas ainda estão abertas, esventradas, no chão, de frente para a cama. Antes, não pareciam ter grande importância. Mas, agora que o céu está a cair, têm. Em breve, quando tudo tiver caído por terra, será altura de mais uma vez dobrar perfeitamente a roupa antes de a pôr nas malas e depois a deixar acumular em cima de uma cadeira noutro sítio qualquer.

Neruda escreveu "Hoje poderia escrever os poemas mais tristes". Eu lamento, mas hoje não consigo escrever poemas. Hoje, o céu está a cair.

Sunday, July 26, 2009

Não te deixarei morrer, Caneco

Aprendi a fumar na janela do teu quarto em Benfica. Não foi o nosso primeiro cigarro, mas foi a partir daí que começámos a fumar. Estavas sentada na cama, eu encostada à janela. Ouvíamos Jorge Palma no repeat e pensávamos em como o Amor nos tinha traído. Não o conseguíamos mesmo perceber. Tentámos muito e sofremos muito por isso.

Escrevemos cartas, mensagens, contos. Tivemos encontros na praia, cruzamo-nos casualmente na escola. O Amor piscava-nos o olho, mas não nos agarrava. Não da forma que queríamos. Por isso, inventámos histórias. Imaginámos o futuro e tentámos decifrar o passado. Juntas. Todos os comos e porquês de cada acção ou palavra serviam para medir o sentimento, encontrar-lhe um sentido para além do óbvio, tirar-lhe a pulsação e optar entre declarar o óbito ou dar-lhe uma última injecção de adrenalina. E nós, Caneco, nós optámos sempre por o deixar viver. Por o embalar ao som de Jorge Palma num ambiente escuro de fumo, onde ninguém visse as nossas lágrimas. Porque nós temos o cabelo cor de trigo e a sina que vem com ele.

Essa mesma sina fez com que, sete anos mais tarde, a situação não fosse muito diferente. Juntámos-lhe outras coisas: eu fiz o vodka, tu puseste Dave Matthews Band a tocar. Desta vez, não ficámos a falar até tarde. À volta da mesa, a minha história era demasiado diferente da tua, mas ambas estávamos atarantadas com o Amor. Sete anos depois, continuávamos a não o perceber, mas desta vez, não nos estávamos a esforçar. Juntas, em silêncio. Em silêncio porque quando perdemos a esperança no Amor, perdemos também as palavras. Desta vez, não ficámos a falar até tarde. Mas tu disseste: "Espero que a tua história corra bem, se não, deixo definitivamente de acreditar no Amor".

A fumar um cigarro na minha janela. A ver o fumo serpentear na noite clara, estou a pensar em ti e estou com medo. Tenho medo de que deixes de acreditar no Amor porque sei que, se perdermos a fé na beleza, vamos ser só mais duas, duas tontas, duas alcoólicas, duas cobardes que a vida vai chupando até secar. E, mesmo que estejamos juntas, vamos aprender a ser infelizes.

Deixo-te aqui um dos poemas que um dia lemos no chão do teu quarto. Mas não te vou dizer que ele está aqui.

"no tempo em que éramos felizes não chovia.
levantávamo-nos juntos, abraçados ao sol.
as manhãs eram um céu infinito. o nosso amor
era as manhãs. no tempo em que éramos felizes
o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos.
as marés traziam o fim de tarde e não víamos
mais do que o olhar um do outro. brincávamos
e éramos crianças felizes. às vezes ainda
te espero como te esperava quando chegavas
com o uniforme lindo da tua inocência. há muito
tempo que te espero. há muito tempo que não vens."


José Luís Peixoto, in a criança em ruínas

Thursday, July 23, 2009

Elogio do Inverno

Dava tudo para me levantar desta cadeira e vestir o meu sobretudo comprido de veludo preto, puxar a gola e o cabelo para cima. Calçar as Dr. Martens lustrosas e abrir a porta para entrar num dia cinzento de chuva e frio nas ruas da baixa lisboeta. Entrar no Vertigo e pedir um café, deixando o guarda-chuva fechado a pingar junto à porta(aquele transparente de que tanto gostava e que ficou destruído assim que cheguei aos Açores).

O Inverno dá-me clareza de pensamento. O Verão uma irrequietude difícil de controlar. Esta humidade uma grande dor de cabeça.

Sonho com Lisboa e com o frio como quem sonha com paz. Tenho saudades dela. Ainda que a irrequietude seja movimento, é energia dispersa, não é acção. Quando tudo se desmorona, temos de ter uma direcção para nos protegermos do céu a cair.

Não há ninguém a apontar o caminho. Nenhum panfleto com procedimentos a adoptar. Apenas a vontade de ser mecânica e sentir na cara uma rajada de vento gelado.

Humpty Dumpty e a desgraçada da Alice


"I don't know what you mean by 'glory,'" Alice said.
Humpty Dumpty smiled contemptuously. "Of course you don't – till I tell you. I meant 'there's a nice knock-down argument for you!'"
"But 'glory' doesn't mean 'a nice knock-down argument,'" Alice objected.
"When I use a word," Humpty Dumpty said in a rather a scornful tone, "it means just what I choose it to mean – neither more nor less."
"The question is," said Alice, "whether you can make words mean different things."
"The question is," said Humpty Dumpty, "which is to be master – that's all."
Alice was too much puzzled to say anything, so after a minute Humpty Dumpty began again.
"They've a temper, some of them – particularly verbs, they're the proudest – adjectives you can do anything with, but not verbs – however, I can manage the whole lot! Impenetrability! That's what I say!"


Lewis Carroll,Through the looking glass

Wednesday, July 22, 2009

Aula de História

Vou começar pelo princípio. Os primórdios do Mau Amor remontam a 1993. Estava na quarta classe e ele tinha um nome esquisito e uma irmã feia de que eu não gostava. Lúcio Carapeta, alto, de cabelo liso, apanhado atrás das orelhas e sempre a mastigar pastilha elástica. Lembro-me dele assim. Vou ser directa: era um jeitosaço. Mais de quinze anos depois, imagino que tenha uma barriga de cerveja e um filho precoce algures.

Eu e ele éramos então dos poucos miúdos que chegavam às folhas das amoreiras que ainda crescem no espaço em frente à escola. Hoje, quando passo por lá, lembro-me disso rindo, vendo que, se estiver distraída, ainda levo com um galho na cabeça. Mas sobretudo, lembro-me do dia em que ele, sabendo que eu "gostava" dele, decidiu tomar uma atitude e pegar o touro pelos cornos: eu. Estávamos em frente à escola e ele começou a correr atrás de mim para me dar um beijo. Sim, ele teve de correr, porque assim que percebi o avanço, comecei a correr à volta de um banco de jardim a tentar fintá-lo. Passei a aula em pânico a pensar no intervalo da tarde que se aproximava. Fui a primeira a sair da sala quando a campainha tocou e escondi-me dentro do cubículo da garrafa de gás, apertadinha, a ouvi-lo lá fora à minha procura. Depois amuou e desistiu. Ufa!

O segundo momento importante do Mau Amor viria pouco tempo depois. Estava a curtir o meu Dia da Criança num baloiço, no Relvão -assim chamado por ser um grande espaço relvado com escorregas e afins-, quando um colega me chamou nomes. Claro que me levantei, persegui-o até o apanhar, o que aconteceu quando ele caiu, e, estando no chão, eu aproveitei para lhe pregar uns bons pontapés. Quando voltámos para a escola passaram-me um bilhete dele. Uma folhinha de papel onde eu esperava encontrar um desafio para um duelo depois da escola ou uma ameaça do género "Vou dizer tudo à minha mãe! Estás fudida! (quarta classe, remember?)". O que eu não esperava mesmo era encontrar o que encontrei: um pedido de namoro.

Como todas as aulas têm um sumário, não consigo escapar à tentativa de uma conclusão. A mais fácil seria que o meu Amor sempre foi difícil. Para mim, sobretudo, mas para os outros também. Mas que deu sempre uma história engraçada para contar.

Raspando um pouco mais a superfície, diria que o Amor sempre me assustou muito, quase tanto como me fascina. A capacidade de surpreender, as histórias que tem para contar, como pode surgir no recanto mais inesperado, como pode ser tudo num minuto e nada depois de quatro anos. A sua inexplicabilidade, a sua violência, a sua doçura, a resistência e a entrega.

Estava a tentar fazer uma lista das minhas coisas preferidas no mundo inteiro, e, matando o suspense à partida, o Amor é a primeira. Esqueçam as crianças, o Amor é a melhor coisa do mundo. Fica aqui um primeiro esboço em que vou trabalhar nos próximos dias.

1- Estar quente e aconchegada no braço de alguém que se ama
2- Ouvir Amo-te pela primeira vez de alguém que se ama há muito tempo, pacientemente
3- Os meus amigos, amo-os perdidamente. É um poço sem fundo.
4- Música
5- Rir
6- Sonhar com o futuro
7- Lembrar-me do passado
8- Dançar ritmos eletrónicos ao ar livre em noites de Verão estreladas (de preferência, enfrascada)
9- Palavras
10- Gelado de after8 e caramelo ou cookie dough do Ben&Jerry's

It's a work in progress...

Friday, July 17, 2009

Pus o meu sonho num avião precoce

Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
-depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles,

Thursday, July 16, 2009

Souvenir


A minha nova recordação preferida

Wednesday, July 15, 2009

Bedtime Stories

"Aprendi com a Primavera a deixar-me cortar e a voltar sempre inteira"

Cecília Meireles


Nas noites de mau dormir conto histórias a mim própria para desacelerar o coração. Falo-lhe de uma mulher que não se importa, de ombros para trás e queixo bem erguido, que desafia os olhares que se lhe prendem quando toma as ruas. De ossos salientes e fortes e olhos frágeis e tristes, numa duplicidade encantadora que atrai e repele, conforme a hora e a circunstância. Ela é forte, ela é capaz de lidar com esta situação, ela não tem medo nem vergonha. Ela não tem expectativas. Mas eu tenho.


Eu tenho essas coisas todas e bastante mais. Os meus ossos partem-se. Por vezes, deixo tudo para ficar à espera mas tento enganar-me e pensar que estou em movimento. Mas nunca consigo. Vejo o que quero para além daquilo que posso ter e sinto-me sempre capaz de dar o salto. Tenho medo mas estou preparada para uma queda infeliz porque sei que aguento o impacto. O meu medo dá-me a certeza de que estou consciente dos riscos e aqui descubro a verdadeira coragem. Mesmo quando estou só. À espera.


De uma aventura para uma paixão perdem-se duas letras e quatro paredes intransponíveis que limitam o futuro. A paixão é uma planície aberta, quente e árrida, uma aventura uma brisa fresca que nos surpreende num dia de Verão. Sabe bem mas já passou antes de nos termos dado conta. Tão depressa quanto chegou. Foi bom não foi? Esta é a única pergunta possível e fazemo-la a nós, sorrindo, dias mais tarde.


Com a paixão o diálogo é mais complexo, porque os sentimentos também o são: "Quando é que te posso voltar a ver? E amanhã?" Fazem-se sacrifícios, encontram-se compromissos. Ganham-se riscos e uma gama completa de promessas difíceis de cumprir. Existem expectativas. Mea culpa. Tenho expectativas e não queria admiti-lo, pensando que não poderiam ser satisfeitas. Ouvindo que não poderiam ser satisfeitas. Mas esqueci-me que as expectativas não ouvem que sim nem que não, despontam do sentimento e podem cair no chão ainda botões de flor fechados. Faz parte da sua natureza, tal como faz parte da minha tê-las, tratar delas e fazer por que a tal flor desabroche, ansiosa por descobrir cores e cheiros. Porque eu nasci na Primavera e dela recebi a capacidade de ver o que as coisas podem ser em vez daquilo que são e a fé que de um galho seco pode surgir a qualquer momento um rebento rejuvenescedor.

Tuesday, July 14, 2009

Bom Humor: o lado B

Este blogue é incompreendido. Este blogue é foleiro. Falta-lhe imagens, falta-lhe diversidade. Tem a mania que sabe alguma coisa sobre o que quer que seja e não tem o humor que devia para não dizer nada. Está quase sempre bêbado e cheira mal no Verão por causa do calor. Isso mesmo, dos sovacos. E gosta de andar de metro. Não tem dinheiro para mais. Este blogue não aluga filmes pornográficos como uma pessoa decente. Antes vê os clips de cinco segundos que vai coleccionando na Internet e depois guarda numa pastinha a dizer XXX. Nem tem a inteligência suficiente para lhe dar um nome chato como IRS 1999 (essa pasta sim, ninguém quereria ver, a não ser a Direcção Geral dos Impostos, que ainda está à espera dele).

Este blogue tem bigode e uma mulher feia em casa à espera dele, com muitos filhos feios que ainda não sabem, mas têm vergonha do pai. Vão descobri-lo no dia em que os amigos deixarem de os chamar Xitãozinho e Xoróró para os tratarem por Boceta e Colhão por causa de um vídeo caseiro arrojado que este blogue pôs na net (era de graça!)para mostrar aos amigos que ainda era um gajo rijo.

"Blogue, you suck!" Ele fica triste e vai ao Lidl comprar uma caixa de vinho tinto com um polegarzinho estendido na embalagem tipo Tetrapac. É barato e dá um coice como os outros. Já não tem de impressionar a mulher e, se ela por acaso lhe torcer o nariz, quando ele, bêbado, lhe levantar a saia, vai dizer-lhe que aquele poster da Ana Malhoa não significa nada para ele.

Sim, este post acabou mesmo. Não há moral no fim desta vez. Nem frases bonitas. Caga nisso. O Mau Amor vendeu-se! Agora é comercial! Buuuuuuu!!
(assobios e garrafas a voar).

Tragam as tochas que este sacana está a fazer-se difícil. Ou dizes qualquer coisa bonita, assim, sobre o amor, ou mandamos-te um vírus. Daqueles ruins...

Sunday, July 12, 2009

Zé Pedro pá, seis anos é muito tempo!

Ontem a esta hora, bebia uma Super Bock com o Zé Pedro à beira de uma piscina iluminada de azul. Tinha-o conhecido há menos de 12 horas mas percebi logo que queria escrever sobre ele no bloque que espero que ele nunca encontre.

O Zé Pedro tem 34 anos, é fotógrafo, e pouco mais quis saber dele. Veio agora do Brasil e há seis anos que está sozinho. "Andas de cabeça virada para o céu?"- perguntei-lhe. Seis anos? Rimo-nos todos: Zé Pedro, isso é uma eternidade! Mas coitado, ele queria apaixonar-se. Da mesma maneira que uma dona de casa começa a magicar problemas com que se entreter, o Zé Pedro olhava para o amigo jornalista que estava bem casado e já com três filhos com olhos sonhadores.

Oferecemos as nossas dores um ao outro com Super Bock como se fossem amendoins. De boa vontade. De graça. Eu, porque acreditava- e esperava- nunca mais o voltar a ver, e ele, como depois vim a perceber, exactamente pelo contrário.

São quase três da manhã Zé Pedro e eu estou a escrever um blogue sentimentalóide, a beber vodka como se não houvesse amanhã e a fumar como se não quisesse que houvesse. Oiço as mesmas canções repetidamente: "Staring at the sun", dos U2, muitas da Sade, "Mamma Said", dos Metallica e um pouco de Foo Fighters. "I can't make you love me", do George Michael. Unplugged. Pensa bem, queres mesmo a dor que tenho agora? A ressaca que vou ter amanhã? Os Zé Pedros deste mundo estão a dormir, amanhã vão acordar bem-dispostos - os Zé Pedros acordam sempre com energia e muita bem dispostos: bora!- enquanto eu, muitas horas mais tarde, vou arrastar-me para fora da cama.

Já não durmo bem desde princípios de Maio. Já não me importo desde mais ou menos essa altura. Não tenho certezas desde 1999. Dito isto, queres mesmo isto que eu tenho? A companhia das perguntas do pensativo cigarro antes de ir dormir? A alegria que tão depressa se desvanece? O cansaço? E a dormência de tanto sentir?

Pois é, eu sei. Não parece que tenho só 25 anos. Sou profunda. Sou bonita. Eu sei ouvir. Eu sei. Eu estou a torcer por ti Zé Pedro. Espero que voltes a chegar ao cume da montanha Zé Pedro, onde o vento é mais forte e apanhar o fôlego é mais difícil, porque daqui vê-se o mundo e daqui sente-se a imensidão da alma. Espero que te apaixones. Mas não por mim.

Sunday, July 05, 2009

O preço certo

"O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade"
in O Amor é fodido, de Miguel Esteves Cardoso.



Pensei que passaria com a idade. Que era uma circunstância da adolescência. Ouvi "Estás cega. Tenho medo do dia em que deixes de estar", e, quando, ao contrário da minha fé, esse amor passou, acreditei que tinha estado mesmo. Mas nunca o lamentei, apesar da dor imensa que se seguiu. Se pudesse, não teria voltado atrás e nada teria sido feito de forma diferente. Porque até os pesadelos que se seguiram a esse despertar, e que ainda hoje me assombram as noites, parecem perfeitos. Lembram-me a força daquele sentimento, revelada na sua face inversa. São o preço que pago, e depois de tanto amor, parece-me justo. Acordo perturbada mas nunca entorpecida, por isso, pago-o de bom grado. O meu coração viveu, vive e quer sempre viver ainda mais. Afinal, não tinha nada a ver com a adolescência. Ele é mesmo assim.

Uma após a outra, as paixões sucederam-se e eu imaginei que o tempo faria com que eu deixasse de dar tanto, como se o coração fosse uma bateria que perdesse potência até finalmente se gastar. Mas, em cada novo primeiro beijo surgiu um querer renovado de repetir as palavras de Neruda: "Quero fazer contigo o que a Primavera faz às cerejeiras".


Não há poesia no amor do século XXI. Quando se fala disso (e fala-se pouco) são estas as palavras que se usam: cega, apanhada, caídinha, maluca. Todas têm carácter pejorativo e implicam a mesma conclusão: apaixonarmo-nos é uma coisa má, algo que devemos evitar. Como se tenta evitar uma gripe, mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde a vamos apanhar.


O Amor no século XXI é uma coisa que se partilha com um amigo dizendo "Epá, merda! Estou mesmo apanhado, foda-se. Já fui!" com cara de chateado. Queremos dizer que sabemos que vamos levar um chuto no cu, que não vamos ser correspondidos, que talvez as lágrimas nos corram. E, pensando em tudo isso, se se pudesse escolher, não quereríamos sentir-nos assim. O preço é alto demais para que o queiramos pagar.


O século XXI é o tempo do facilitismo, da obesidade e da banda gástrica. A fruta vem em boiões, já mastigada. Se a contracepção nos deixa ser livres, a pílula do dia seguinte deixa-nos ser irresponsáveis. O sexo é comercial, o Amor é tabu. Como o MEC, estou farta!


"Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticistas".


Por isso, estas palavras souberam-nos a mel, a mim e ao meu coração:


"Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha- é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste mas mais acompanhado do que quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir".


Obrigada MEC!!