Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Sunday, July 05, 2009

O preço certo

"O amor fechou a loja. Foi trespassado ao pessoal da pantufa e da serenidade"
in O Amor é fodido, de Miguel Esteves Cardoso.



Pensei que passaria com a idade. Que era uma circunstância da adolescência. Ouvi "Estás cega. Tenho medo do dia em que deixes de estar", e, quando, ao contrário da minha fé, esse amor passou, acreditei que tinha estado mesmo. Mas nunca o lamentei, apesar da dor imensa que se seguiu. Se pudesse, não teria voltado atrás e nada teria sido feito de forma diferente. Porque até os pesadelos que se seguiram a esse despertar, e que ainda hoje me assombram as noites, parecem perfeitos. Lembram-me a força daquele sentimento, revelada na sua face inversa. São o preço que pago, e depois de tanto amor, parece-me justo. Acordo perturbada mas nunca entorpecida, por isso, pago-o de bom grado. O meu coração viveu, vive e quer sempre viver ainda mais. Afinal, não tinha nada a ver com a adolescência. Ele é mesmo assim.

Uma após a outra, as paixões sucederam-se e eu imaginei que o tempo faria com que eu deixasse de dar tanto, como se o coração fosse uma bateria que perdesse potência até finalmente se gastar. Mas, em cada novo primeiro beijo surgiu um querer renovado de repetir as palavras de Neruda: "Quero fazer contigo o que a Primavera faz às cerejeiras".


Não há poesia no amor do século XXI. Quando se fala disso (e fala-se pouco) são estas as palavras que se usam: cega, apanhada, caídinha, maluca. Todas têm carácter pejorativo e implicam a mesma conclusão: apaixonarmo-nos é uma coisa má, algo que devemos evitar. Como se tenta evitar uma gripe, mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde a vamos apanhar.


O Amor no século XXI é uma coisa que se partilha com um amigo dizendo "Epá, merda! Estou mesmo apanhado, foda-se. Já fui!" com cara de chateado. Queremos dizer que sabemos que vamos levar um chuto no cu, que não vamos ser correspondidos, que talvez as lágrimas nos corram. E, pensando em tudo isso, se se pudesse escolher, não quereríamos sentir-nos assim. O preço é alto demais para que o queiramos pagar.


O século XXI é o tempo do facilitismo, da obesidade e da banda gástrica. A fruta vem em boiões, já mastigada. Se a contracepção nos deixa ser livres, a pílula do dia seguinte deixa-nos ser irresponsáveis. O sexo é comercial, o Amor é tabu. Como o MEC, estou farta!


"Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticistas".


Por isso, estas palavras souberam-nos a mel, a mim e ao meu coração:


"Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha- é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste mas mais acompanhado do que quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir".


Obrigada MEC!!

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