Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Thursday, December 31, 2009

Como imagino a primeira vez que fizermos sexo



Para a L.


Considero-me um optimista. Desde que tenho opiniões e que consigo distanciar-me o suficiente para me observar a tê-las, que me considero um optimista. Como seria de esperar, encontro alguma paz nesta assunção, mas não consigo ter a certeza se considerar-me optimista não será, em si, um sinal de optimismo. Talvez. Seja como for, não é bom ter certezas em relação a tudo. São as incertezas que esbatem os contornos, que diluem as cores. Precisamos das incertezas para não sermos geométricos e insuportáveis. Suponho que considerar a hipótese de algum dia fazermos sexo pela primeira vez é também um sinal desse mesmo optimismo. Não há garantias. Aquilo que imaginamos é responsabilidade nossa. É apenas certo que te materializaste a distância suficiente para que te abraçasse. Depois, pareceu-me que o teu corpo cabia perfeitamente nos meus braços. A perfeição, a perfeição, sei que ambos somos capazes de rir-nos dessa palavra.

Há tanto que já aconteceu antes. Há palavras repetidas que, no momento de serem ditas, parece que chegam de outras idades. Há frases que chegam de momentos específicos, que regressam inteiros no momento em que digo ou oiço essas mesmas frases. A intrusão desses momentos faz com que me sinta estranho em mim, como se os meus olhos, de repente, fossem atravessados por um olhar que me pertenceu há anos mas que, agora, é de outra pessoa. Chega desta conversa. Se ainda não percebeste, explico-te melhor quando estivermos juntos. Agora, acredito que deves ter mais curiosidade de saber como imagino a primeira vez que fizermos sexo.

Vai ser na minha casa. Vamos estar a beijar-nos no sofá. Ainda não sei bem se gosto que me mordas a língua. Da última vez, vieram-me lágrimas aos olhos. Acho que não notaste, escondi-as, mas, acredita, estavam lá. Aquilo que me parece é que, neste momento, gosto de tudo o que me queiras dar, mesmo que sejam dentadas na língua que me põem lágrimas nos olhos, que ultrapassam aquela fronteira em que a dor é cómoda e chegam à dor-dor. Esta é a situação actual, mas, espero que saibas, não será sempre assim. Por favor, não deixes que esta informação te iniba. Podes morder-me a língua. Podes morder-me onde quiseres.

As minhas mãos. Tu ainda não conheces bem as minhas mãos. Sei que tens uma ideia sobre elas, mas ainda não as conheces muito bem. Eu próprio me surpreendo com elas frequentemente. As minhas mãos vão procurar as formas do teu corpo. Gosto de começar por perceber a dimensão das coisas. Vou segurar-te nos ombros, nos braços, na barriga de lado, nas ancas e nas pernas. A escolha destes lugares do teu corpo não tem nada a ver com a procura de um crescendo, com uma gradação que, no seu auge, chegue a lugares mais intímos e/ou pornográficos. Aliás, não chegarei a estes lugares pela escolha, mas sim pelo instinto. Eu conheço os meus instintos, os bons e os maus, os que me fortalecem e os que me enfraquecem. Gosto de todos, não os contrario, todos fazem parte de mim, sou todos eles. Mais, nos teus ombros, braços, barriga, ancas e pernas estarei já inteiro. Nesse momento, não terei ainda a certeza de que iremos, de facto, fazer sexo.Não estarei preocupado. Não consigo imaginar-me preocupado enquanto estiver a beijar-te, a abraçar-te e enquanto as minhas mãos estiverem no teu corpo. Estar preocupado significaria estar longe de ti. Contigo, não consigo estar longe de ti. Contigo, apenas sou capaz de estar contigo.

Posso desabotoar-te as calças? O momento em que tiver nos dedos o botão das tuas calças será determinante. Se sentir que me facilitas o gesto que farei com o polegar e o indicador, se não sentir a tua mão a afastar a minha, será dado um grande passo entre nós. É claro que eu não pensarei isto com estas palavras. Estes pensamentos apenas são possíveis porque estou aqui, longe, e porque a minha mente se aventura por caminhos desaconselháveis. Baixar-te as calças com as duas mãos.

Certezas que tenho:
- A tua pele é suave.
- As minhas pernas cabem no interior das tuas.
- Aguento o teu peso com facilidade.
Vou querer abrir os olhos para, em instantes, ver o teu rosto. Vou querer guardar essas imagens paradas, fotografias do teu rosto. Após um vinco na respiração, entraremos num mundo que se construirá à nossa volta, um mundo que se propagará a partir de nós. Deixaremos de saber os nossos próprios nomes.

O meu corpo pesado, lançado pelos meus braços para o teu lado. Quanto tempo passou? Onde estamos? Enquanto recuperarmos a respiração, estaremos cheios de perguntas.

Além disso, há este texto. Se chegarmos a fazer sexo, há a possibilidade deste texto interferir, de nos sentirmos na obrigação de contrariar os seus detalhes para o garantirmos como ficcional e não nos acharmos previsíveis. Então, não me irás morder a língua, não ficaremos no sofá e não me deixarás desabotoar-te as calças, irás tu própria desabotoá-las. Mais tarde, daqui a semanas ou meses, falaremos deste texto e será como uma piada. Iremos rir-nos da própria dedicatória: para a L. Iremos, pelo menos, sorrir. Tudo estará bem se, semanas ou meses após termos feito sexo pela primeira vez, estivermos juntos a rir ou a sorrir.

Se nunca chegarmos a fazer sexo, este texto continuará a existir. Se tiver de ser assim, espero que estas palavras não tenham qualquer interferência com essa possibilidade, que ficará no lugar invisível onde se acumulam todas as possibilidades que nunca se concretizaram. Seria bastante rebuscado que este texto impedisse esse encontro, mas já me surpreendi com coisas bastante menos surpreendentes. Em todas elas, a vida e o tempo continuaram. Se assim for, se assim não for, espero que a memória deste texto seja a memória destes dias e que, dessa maneira, seja algo de bom, que nos faça bem, e que, nesse futuro, sozinhos ou acompanhados por rostos que agora desconhecemos, sejamos capazes de um sorriso que mais ninguém entenda e que não tentaremos explicar a ninguém.

Como imagino a primeira vez que fizermos sexo
by José Luís Peixoto

in Em busca da Felicidade: Dez histórias

Tuesday, December 22, 2009

Don't hate the player, hate the game!




Há mais de um milhão de utilizadores da rede social Facebook em Portugal. Se arredondarmos o total da população portuguesa para dez milhões, isso significa que uma em cada dez pessoas tem lá uma conta aberta. Sejas quem fores, tens dez por cento de probabilidades de também teres. E se tiveres, não te sintas mal porque não estás sozinho... A palavra "facebook" foi a mais procurada nos motores de pesquisa da Internet em 2009 e esta rede social conseguiu ultrapassar a  fasquia dos 350 MILHÕES (!) de utilizadores.

Os números são deveras impressionantes assim como a história de como esta rede social começou pela mão de um puto frustrado que estudava em Harvard -que, aliás, já deu filme com direito a protagonista estrela e tudo- e se fosse por isso que hoje estou cansada de ouvir falar em Facebook até seria compreensível. Seria lógico partir destes números para tentar descortinar o que é que há de especial no Facebook ou porque é que de repente o mundo acha que não consegue passar sem ele, mas não é disso que se quer falar quando se põe facebook no título de uma notícia.

Pus agora facebook no Google. Clico no Enter e voilá! Resultados 1 - 10 de cerca de 2.070.000.000 para facebook. (0,20 segundos) Mais de dois biliões de resultados em menos de meio minuto. Se optar pela opção Notícias para a minha pesquisa no Google fico hoje a saber que a Courtney Love criticou a filha no Facebook e que a rede social é referida em 20 por cento dos pedidos de divórcio online na Grã- Bretanha. Mas a verdadeira notícia para mim, em termos de ser surpreendente, é não encontrar nada do Miguel Sousa Tavares a dizer que o Facebook é a maior ameça do século. Realmente isso já não é notícia, ele já o disse muitas vezes e em meios diferentes, e em todas, eu fiquei sempre estupefacta. Talvez num dia de menor inspiração  o tópico lhe tenha servido como a conta de lavandaria que se dobra e coloca por baixo da perna da mesa que está a balançar. Se assim fosse era fácil deixar passar, mas em vez disso usa o tema Facebook como uma bandeira. Orgulha-se de ser ele contra os tais 350 milhões de utilizadores. Com certeza dá-lhe assim uma certa pica não fazer parte das massas.




Fico mesmo lixada. Não é que o Facebook seja uma coisa boa, mas também não é assim tão má. Mais do que qualquer outra coisa, o Facebook não é assim tão importante, raios! As guerras, a fome, o desemprego, a pobreza, o analfabetismo, as mudanças climáticas... mas não, o Facebook, essa é que é a maior ameaça dos nossos tempos! É disso que uma figura pública com acesso a canais de divulgação privilegiados deve falar, é essa a problemática para que deve alertar! Será que o Miguel Sousa Tavares já foi aos Armazéns do Chiado e viu as pessoas que estão lá à espera de comer os restos de comida que deixamos nos tabuleiros abandonados à pressa em cima da mesa? Ou foi beber um copo ao Bairro Alto e viu velhas inchadas a arrastarem-se enroladas em xailes velhos até ao caixote de lixo mais próximo? E se o fez, se o viu, isso não lhe pareceu digno de importância? Às vezes parece-me que andamos vazios, outras vezes que estamos podres por dentro.

Tive uma experiência profissional terrível durante seis meses. Não me dava nada com a minha superior e era um massacre acordar sabendo que teria de passar o meu dia com uma pessoa que se pudesse me passaria por cima com uma cilindradora adorando cada minuto do processo. Certo dia, o big boss chamou-me e no meio de uma conversa sobre a minha situação problemática ele disse que o maior sinal de inteligência que alguém podia ter era a escolha das coisas que valorizava como importantes. Ele queria dizer que não me devia focar no mau ambiente mas no trabalho e eu com esta história quero dizer que nunca vou gastar um cêntimo num livro do Miguel Sousa Tavares.

Já estou farta de ouvir falar do facebook, mas não estou farta dele. Sim, eu tenho facebook, e estamos a chegar a um ponto em que dizer isto é quase como dizer Olá, eu sou a Ana, tenho 25 anos e sou alcoólica. É uma confissão embaraçosa. "Ah, tu perdes tempo com isso? Não deves ter vida própria! Que triste andar a mostrar a vida assim". Não vou justificar a existência da minha página pessoal do facebook, nem o gozo que ela já me deu e ainda me dá . Não me sinto mais comum, nem mais parte da carneirada por lá estar. O que me deixa triste quando penso no Facebook é a sociedade de que ele é mera consequência e reflexo.




Andamos à procura das coisas certas nos sítios errados. Queremos encontrar amigos e amores num écran de computador. É mais higiénico e bem menos arriscado. Se não correr bem, basta fazer um "unfriend". Em vez de fazermos alguma coisa pela vida, criamos no Facebook o grupo dos que querem fazer pela vida enquanto o rabo vai engordando na cadeira de sempre do escritório de sempre. Asséptico, controlado, cheio de edulcorantes e aditivos, onde o conceito de fruta está a evoluir para uma papa dentro de um boião e arriscar é pôr uma foto menos bem... Eu não odeio o Facebook, odeio sim o mundo que o criou.


Friday, December 18, 2009

A tua pequena dor


















a tua pequena dor


quase nem sequer te dói

é só um ligeiro ardor

que não mata mas que mói



é uma dor pequenina

quase como se não fosse

é como uma tangerina

tem um sumo agridoce



de onde vem essa dor

se a causa não se vê

se não é por desamor

então é uma dor de quê?



não exponhas essa dor

é preciosa é só tua

não a mostres tem pudor

é o lado oculto da lua



não é vicío nem costume

deve ser inquietação

não há nada que a arrume

dentro do teu coração



talvez seja a dor do ser

só a sente quem a tem

ou será a dor de ver

a dor de ir mais além?



certo é ser a dor de quem

não se dá por satisfeito

não a mates guarda bem

guardada no fundo do peito.




by Carlos Tê e Rui Veloso

Thursday, December 17, 2009

Volta a 2009 em 10 posts: A força (III)



Prometi que nunca mais escreveria uma só linha sobre ti, mas vou agora quebrar essa promessa. Fi-la a mim mesma porque me recusava a dar-te o gostinho de saberes que tinha pensado em ti e consegui cumpri-la não por despeito, mas porque consegui tirar-te da cabeça e, quando se sai, é de vez.  Mas eis-me aqui a ver 2010 já depois daquela esquina e quero fechar os capítulos dentro de mim: Volta a 2009 em 10 posts....

2009 tem a tua cara e por isso demorou a passar. Porque, mesmo quando te fechei todas as portas, cá dentro algo ficou partido. Eu, que sempre me defini como uma feeling machine, sentia-me estragada.

Todos os dias oiço histórias de pessoas como tu que dizem amo-te para tirarem da outra as mesmas palavras e assim dormirem sorridentes sentindo-se alguém. Com um ego que se alimenta de saber que alguém neste mundo as quer. Pessoas que nos estendem a mão para que as agarremos só para nos empurrar para o chão a seguir. Sim, eu caí e demorei algum tempo a perdoar-me por o ter feito.

Por mais que me dissessem que é normal e acontece a toda a gente, isso não me aliviava a dor. Nem a raiva. Pensava nessa miúda tola que te ouvia e percebia a malvadez desculpando-a em simultâneo. Contigo descobri o quanto o espírito feminino que tudo justifica e perdoa pelo amor pode ser nefasto.

Nas cartas de amor tu só viste erros ortográficos, nas loucuras que fiz por ti, casualidades. E mesmo assim eu continuei apaixonada.

Nos concertos todas as canções te evocavam e pediam um gesto meu.Tentei resistir como pude. Pedia mais uma cerveja e de copo na mão desviava o olhar para o céu. Fumava um cigarro e dizia a mim própria que ia deixar passar mais uma música. Daí a duas ou três já não me lembraria de ti. Mas o concerto acabava, eu cedia e revelava-me.

Um amigo disse-me que tinha duas hipóteses: ou era capaz de me rir da história logo ali ou então passaria o próximo ano a choramingar. Assim foi, deixei de chorar quando consegui começar a rir e ri muito de ti até que deixaste de ter piada. Ri-me das tuas pernas fininhas encimadas por um tronco pesado e redondo, mas sobretudo ri-me da língua nervosa que teimavas em enfiar na minha boca e chamar isso de beijo.

Claro que também me ri de mim e foi aí que veio a compaixão por essa rapariga que mais uma vez pôs a cabeça na guilhotina e assim desafiou todas as negras ideias feitas sobre o amor. Se, como uma vez escrevi neste blogue, o amor já não tem poesia no século XXI quando me lembro dessa rapariga admiro-a mesmo. Não é que ela seja melhor do que ninguém, não é que haja heróis e vilões nesta história. Gosto dela porque foi sempre capaz de dizer o que pensava, na altura certa pôs um ponto numa história que não teria um final feliz e aprendeu que por mais que queiramos que o mundo seja uma fila de arco-irís uns atrás dos outros onde só chovem marshmellows e cherry coke, há dias em que para sobreviver uma gaja tem de ser uma bitch. E não há mal nenhum nisso ;)

 

Monday, December 14, 2009

Volta a 2009 em 10 posts: A inocência (II)

-Olha.
Ele já estava de pé.
- O que foi?
- É o Oceano Atlântico (risos).



Do lado de fora da varanda, o sol já ia alto por cima da Silveira.

- Anda, Nastenka.
- Não sei se gosto de Nastenka...
- Porquê?
- Faz-me pensar em "you stink".

Ri e tapei-me outra vez. Afinal, não havia motivos para ter receio da manhã.