Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Tuesday, December 22, 2009

Don't hate the player, hate the game!




Há mais de um milhão de utilizadores da rede social Facebook em Portugal. Se arredondarmos o total da população portuguesa para dez milhões, isso significa que uma em cada dez pessoas tem lá uma conta aberta. Sejas quem fores, tens dez por cento de probabilidades de também teres. E se tiveres, não te sintas mal porque não estás sozinho... A palavra "facebook" foi a mais procurada nos motores de pesquisa da Internet em 2009 e esta rede social conseguiu ultrapassar a  fasquia dos 350 MILHÕES (!) de utilizadores.

Os números são deveras impressionantes assim como a história de como esta rede social começou pela mão de um puto frustrado que estudava em Harvard -que, aliás, já deu filme com direito a protagonista estrela e tudo- e se fosse por isso que hoje estou cansada de ouvir falar em Facebook até seria compreensível. Seria lógico partir destes números para tentar descortinar o que é que há de especial no Facebook ou porque é que de repente o mundo acha que não consegue passar sem ele, mas não é disso que se quer falar quando se põe facebook no título de uma notícia.

Pus agora facebook no Google. Clico no Enter e voilá! Resultados 1 - 10 de cerca de 2.070.000.000 para facebook. (0,20 segundos) Mais de dois biliões de resultados em menos de meio minuto. Se optar pela opção Notícias para a minha pesquisa no Google fico hoje a saber que a Courtney Love criticou a filha no Facebook e que a rede social é referida em 20 por cento dos pedidos de divórcio online na Grã- Bretanha. Mas a verdadeira notícia para mim, em termos de ser surpreendente, é não encontrar nada do Miguel Sousa Tavares a dizer que o Facebook é a maior ameça do século. Realmente isso já não é notícia, ele já o disse muitas vezes e em meios diferentes, e em todas, eu fiquei sempre estupefacta. Talvez num dia de menor inspiração  o tópico lhe tenha servido como a conta de lavandaria que se dobra e coloca por baixo da perna da mesa que está a balançar. Se assim fosse era fácil deixar passar, mas em vez disso usa o tema Facebook como uma bandeira. Orgulha-se de ser ele contra os tais 350 milhões de utilizadores. Com certeza dá-lhe assim uma certa pica não fazer parte das massas.




Fico mesmo lixada. Não é que o Facebook seja uma coisa boa, mas também não é assim tão má. Mais do que qualquer outra coisa, o Facebook não é assim tão importante, raios! As guerras, a fome, o desemprego, a pobreza, o analfabetismo, as mudanças climáticas... mas não, o Facebook, essa é que é a maior ameaça dos nossos tempos! É disso que uma figura pública com acesso a canais de divulgação privilegiados deve falar, é essa a problemática para que deve alertar! Será que o Miguel Sousa Tavares já foi aos Armazéns do Chiado e viu as pessoas que estão lá à espera de comer os restos de comida que deixamos nos tabuleiros abandonados à pressa em cima da mesa? Ou foi beber um copo ao Bairro Alto e viu velhas inchadas a arrastarem-se enroladas em xailes velhos até ao caixote de lixo mais próximo? E se o fez, se o viu, isso não lhe pareceu digno de importância? Às vezes parece-me que andamos vazios, outras vezes que estamos podres por dentro.

Tive uma experiência profissional terrível durante seis meses. Não me dava nada com a minha superior e era um massacre acordar sabendo que teria de passar o meu dia com uma pessoa que se pudesse me passaria por cima com uma cilindradora adorando cada minuto do processo. Certo dia, o big boss chamou-me e no meio de uma conversa sobre a minha situação problemática ele disse que o maior sinal de inteligência que alguém podia ter era a escolha das coisas que valorizava como importantes. Ele queria dizer que não me devia focar no mau ambiente mas no trabalho e eu com esta história quero dizer que nunca vou gastar um cêntimo num livro do Miguel Sousa Tavares.

Já estou farta de ouvir falar do facebook, mas não estou farta dele. Sim, eu tenho facebook, e estamos a chegar a um ponto em que dizer isto é quase como dizer Olá, eu sou a Ana, tenho 25 anos e sou alcoólica. É uma confissão embaraçosa. "Ah, tu perdes tempo com isso? Não deves ter vida própria! Que triste andar a mostrar a vida assim". Não vou justificar a existência da minha página pessoal do facebook, nem o gozo que ela já me deu e ainda me dá . Não me sinto mais comum, nem mais parte da carneirada por lá estar. O que me deixa triste quando penso no Facebook é a sociedade de que ele é mera consequência e reflexo.




Andamos à procura das coisas certas nos sítios errados. Queremos encontrar amigos e amores num écran de computador. É mais higiénico e bem menos arriscado. Se não correr bem, basta fazer um "unfriend". Em vez de fazermos alguma coisa pela vida, criamos no Facebook o grupo dos que querem fazer pela vida enquanto o rabo vai engordando na cadeira de sempre do escritório de sempre. Asséptico, controlado, cheio de edulcorantes e aditivos, onde o conceito de fruta está a evoluir para uma papa dentro de um boião e arriscar é pôr uma foto menos bem... Eu não odeio o Facebook, odeio sim o mundo que o criou.


3 comments:

Anonymous said...

Muito bom o seu texto. Essa realidade distorcida vivida nesses milhares de "facebooks" ou "orkuts" nos tornam presos a essa comodidade de colecionar informações e "amigos" virtuais (voláteis) que acabam por não agregar nada de relevante nas nossas vidas. Esses sites de relacionamento passam uma falsa sensação de que ainda fazemos parte da vida do outro, mas isso é pura hipocrisia...

Nastenka said...

Pois é, Paulo, às vezes é fácil perdermo-nos da realidade dentro dessas redes sociais. Conheço muitas histórias que acabaram mal, nada de mortos ou feridos, mas muitos corações partidos :)

Obrigada pelo feedback!

Anonymous said...

Desculpa pela invasão ao seu blog. Seu link apareceu no meu blog e resolvi dar uma espiada. Espero que não se importe de comentar de vez em quando...