Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Wednesday, August 26, 2009

Xcape from URselF

Complete experience of the senses... feel it inside

Deixa-se a noite lá fora. Com ela ficam as palavras, os preconceitos e algum do medo. É leve que se entra nesta fantasia, com chão de terra batida e seres esvoaçantes presos no tecto. São as alforrecas gigantes deste mundo subaquático onde a música é a água e nadar é fácil. Basta deixarmo-nos levar. Se pensares, vais quebrar a fluidez de movimentos, se falares, vais ter de gritar e ninguém te vai ouvir. Por isso, não tentes fazer nenhuma das coisas.

Já tinhas visto o mundo à tua volta com esta banda sonora? Já tinhas sentido o teu peito bater com um ritmo que não é o do teu coração? Alguma vez te pareceu tão fácil voar? Scchhhh! Não respondas! Já te disse, aqui não se fala. Aqui não se pensa. Estás a ver aquela miúda ali à frente? Com os brilhantes dourados nos olhos e uma orquídea presa no cabelo? É linda, não é? Diz-lhe isso sem palavras, só com os olhos. Pode ser que hoje seja o teu dia de sorte.

O ritmo é rápido e repetitivo. Vais perder-te nele. Olha para cima. Tens um céu só para ti, é branco e de todas as cores ao mesmo tempo. Fecha os olhos! Aquela rapariga que levaste para casa na outra noite com olhos de deserto que cheirava a especiarias. Estás a sentir o cheiro dela agora. Tens os lábios secos. Passa-lhes a língua para os humedecer. Não pares de te mexer! Estás deitado na tua cama outra vez e ela está a lamber-te a barriga e a beijar-te o peito. Outra vez. Com uma boca carnuda e doce que não soubeste explorar então. Aproveita agora. Aqui, dentro da tua cabeça, ela não te pode impedir. A vontade dela não conta. Faz dela o que quiseres. Isso... Ahahahaha!

Abre os olhos. Percebeste agora? Aqui tudo é possível. Todos à tua volta sorriem e dançam para ti. Aqui, és mais do que o que tu és porque fazes parte do todo. Esta energia que pulsa e semeia sorrisos. Vai buscar uma bebida. Eu dito as regras: uma vodka com redbull. Hoje descobres a felicidade na escravatura do ritmo. Anda, deixa-te levar.

Vem aí a rapariga com a orquídea no cabelo. Deixa que eu te guie para fora de ti antes que o sol nasça. Deixa que a tua mão descubra novos caminhos no corpo dela.

Thursday, August 20, 2009

Amor & Transportes Públicos

Ela gostava de andar de metro e de autocarro. É estranho, mas gostava. Um dia, apanhou um TGV de Bruxelas para Amesterdão e descobriu que gostava ainda mais de andar de comboio. Havia qualquer coisa de fascinante na paisagem a passar depressa enquanto ela estava comodamente sentada junto à janela. Sempre gostou de observar os outros, de os estudar. E, por vezes, chegava a casa e escrevia a história que imaginava ser a da vendedora de peixe ou a do velho bêbado que dizia palavras sem nexo, imperceptíveis, sentado nas escadas da igreja de Benfica. Aquele que apanhava sempre o 58 para sair em Sete Rios. E cheirava a podre.

Um dia, conheceu um rapaz e disse-lhe nunca. Mais tarde percebeu que dizer nunca é desafiar o destino a trocar-nos as voltas. Assim foi. Três meses depois de lhe dizer nunca, reencontrou-o e ele disse-lhe que queria estar com ela, mais ou menos na mesma altura em que ela sentiu que também queria estar com ele. Tinha uns olhos meigos e frágeis, daqueles que funcionam like a charm para tudo o que é mulher de coração de manteiga. Entre os olhos meigos dele e o coração de manteiga dela a coisa parecia funcionar bem. Mais do que olhos meigos, ele tinha um cabelo cor de mel, e uma voz serena que à noite usava para lhe falar de golfe quando, juntos na cama, ela pedia que lhe contasse uma história.

A história, invariavelmente, era sobre golfe. Ou melhor, mais do que sobre golfe, era sobre a paz que ele dizia sentir quando percorria os "verdinhos", quando cheirava o ar puro do green. Histórias de bolas perdidas e achadas e das pessoas que as procuravam. Ela não lhes prestava muita atenção. Gostava mesmo era de ouvir a voz dele antes de adormecer.

Da primeira vez que andaram de autocarro, ele ficou um pouco enjoado. Não gostava nada de andar de transportes públicos. Passava mal, sobretudo se ela estava por perto, coisa que ainda o inquietava. Tinha de ir sentado. De frente.

Durante algum tempo, a preocupação pelo bem estar dele ocupou-a por completo. Até que chegou o dia em que ele já reagia melhor aos solavancos do autocarro e ao mau cheiro do metro. Foi aí que ela lhe disse que gostava de andar de transportes públicos, que gostava de Lisboa, da confusão das cidades maiores do que a sua, que gostava de andar depressa e que, um dia, iria a ritmo rápido para o mais longe que conseguisse.

Ela queria banhar-se no Ganges, mesmo sabendo agora que era um dos rios mais poluídos do mundo, andar de carrocinha puxada a cavalo pela neve em Central Park, e beber uma pint num pub na Irlanda. Também queria pintar o cabelo de verde e comprar um peixinho dourado, mas isso não lhe pareceu de grande importância na altura de falar do que precisava para ser feliz.

Ele ouviu, ficou sem saber o que dizer e continuou a contar histórias de vidas simples. Uma pescaria no Pico, um banho de mar na Praia da Vitória, ter um carrinho seu e não ter de andar nunca mais de transportes públicos!! Era isto que ele queria.

Arranjaram uma bela e espaçosa casa onde os olhos meigos dele e o coração de manteiga dela foram felizes, mesmo nos dias em que diziam que não eram. Ela comprou um carro e ele deixou de andar de metro e de autocarro. Dormiam colados, tomavam banho juntos e às vezes bebiam umas cervejas quando se sentavam no grande sofá de cabedal para ver futebol. Toda a acção tinha banda sonora, todo o gesto uma combinação perfeita de carinho e sinceridade. Embalados nesta harmonia, ele esqueceu-se do golfe e ela que queria ir rapidamente para o mais longe que pudesse. Porque já não queria. Estava ali mesmo bem e achava que iam ter os filhos mais lindos do mundo: com olhos meigos, mas verdes, e um coração de manteiga com menos anseios, mais sereno.

E se esta história fosse da Disney ou da Pixar teria acabado aqui. Mas como o rapaz dos olhos meigos e a rapariga de coração de manteiga existiram mesmo não acabou.

Hoje ela percebe ainda melhor o quão especial era aquela casinha porque cá fora, a sinceridade e o carinho são coisas raras. A cada esquina promete-se isso mesmo, mas depois recebe-se o contrário. O mundo fora da casinha é mais feio e assustador. Às vezes, apetece-lhe voltar, mas já foi avisada, não sabe bem por quem:

Nunca voltes a um sítio onde já foste feliz. Por mais que o coração to peça, não oiças o que ele diz.

KiSS

Monday, August 17, 2009

Black Heart Inertia



(...)
Lover, can you help me?
I'm a child lost in the woods
A black heart pollutes me
and i think...

You're a mountain that I'd like to climb
Not to conquer, but to share in the view
You're a bonfire and I'm gathered 'round you.
Set this old black heart inertia aflame
Send it away...
Send it away...
Send it away...
Send it away...
Send it away...
Send it away...
Send it away...
Send it away...
(...)

Black Heart Inertia by INCUBUS

Wednesday, August 12, 2009

O MEU Mau Amor

Um carro segue a velocidade constante e agradável pela estrada fora. Sozinho. Com tempo para ver a paisagem: dois ilhéus do lado direito e um mar imenso que brilha como prata. A rádio grita os seus sons preferidos sem se preocupar com o gosto de passageiros ou transeuntes porque estamos sozinhos. E basta um carro, um só, para quebrar o feitiço. Fazer-nos baixar o som e deixar-nos a pensar em coisas tão corriqueiras como se vamos ser ultrapassados ou não.

Com o Mau Amor aconteceu uma coisa parecida. Era um blogue que seguia o seu caminho sem se preocupar com camaradas de estrada, seguidores ou audiências. Na sua solidão encontrava a liberdade. Assim, conseguia abrir o coração ao mundo e isso é muito diferente de abrir o coração ao João, à Maria ou à Isabel.

O mundo não nos diz que devemos mudar de nome, que devemos pôr mais fotos ou que, se calhar, não nos devíamos expor tanto. Lá está, o Mau Amor quer falar com o mundo porque o mundo não o vai julgar. Apontar destinos no mapa. Ou reparar que o carro está a precisar de uma limpezazita.

O Mau Amor não é um livro, logo não se vai vender. Não é um jornal porque não lhe interessa falar dos mais recentes acontecimentos de outras pessoas, em outros lugares.

Deixem-me apresentar-vos o Mau Amor...Arrhhumm...Arrhhumm...

Messieurs et Madames, Garçons e Garçonetes, conheci o Mau Amor num beco do Bairro Alto. Eram quatro da manhã e ele estava bêbado. Eu também. Não dissemos os nossos nomes um ao outro e fizemos o pacto de nunca o dizer, como quem conspira contra o mundo dos outros. Inventámos novos nomes por que não achávamos justo que alguém fora de nós pudesse tomar uma decisão tão importante para as nossas vidas. Chamei-o então de Mau Amor porque tinha uma cara mal humorada que, quando se abria num sorriso, prometia todo o Amor que eu conseguisse aguentar. Ele chamou-me Ana Brasil porque, quando me viu nua, disse que lhe lembrava as paisagens geladas da Rússia, mas que quando lhe sussurava ao ouvido sentia o calor de Copacabana.

Conheço bem o Mau Amor e por isso digo-vos: Ele, quando fala de outras pessoas, refere explicitamente os seus nomes ou usa um símbolo para que elas e só elas saibam de quem se está a falar. O Mau Amor não plagia, cita. O Mau Amor não lava roupa suja.

Mas a coisa mais importante a saber sobre o Mau Amor é que ele é MEU. A segunda é que ele é livre. Terceira, não lhe interessa se gostam dele. Por isso não, ele não está a referir-se a ti Joana, Manuel, Joaquim ou Ernestina. Vocês pertencem à realidade e às vossas vidinhas. O Mau Amor é a minha.

Por isso vamos continuar na estrada. Estamos com pressa mas não temos destino. Gostamos mesmo de apreciar a paisagem quando a estrada está vazia. Mais do que qualquer outra coisa, gostamos de ouvir a música aos berros e de cantar mal sem que nos possamos ouvir. Sabemos que vão aparecer outros carros na estrada, mas vamos tentar ignorar-vos. Porque, pelo menos aqui, queremos continuar a ser livres.

Atenciosamente,


A Direcção

Friday, August 07, 2009

Bom Amor



Good night and good luck*

Thursday, August 06, 2009

Do Touto para a Pateira

As palavras têm uma magia própria. Depois de ditas, as palavras só se perdem na memória. Não é possível voltar atrás nas palavras. Podemos pôr um Não depois de um Sim, mas isso não faz com que o Sim desapareça.

No séc.XXI- aquele que não tem poesia, lembram-se?- escrevem-se mensagens e e-mails, mas escrevem-se poucas cartas e isso faz toda a diferença. Já apaguei muitas mensagens, números de telefone e e-mails. Já bloqueei pessoas do meu msn. Mas nunca fui capaz de pôr fora uma carta de amor. Nem sequer uma carta de amizade.

De vez em quando encontro-as, outras tantas procuro-as. São como bilhetes de avião para outros tempos e lugares. Tenho muita sorte, todos os meus amigos o dizem, mas eu só acredito mesmo nisso quando abro a minha gaveta cheia de cartas de amor.

São todas do Touto para a Pateira e, apesar dos nomes serem ridículos, nada mais nelas o é. Pus fora tudo o resto, sobretudo os presentes caros que comecei a receber quando nos começámos a perder um do outro. Mas pus fora também os mais pequenos. Guardei só as cartas de amor, os desenhos e as fotografias, as provas de que aquelas pessoas realmente existiram.

Hoje, quem nos veja passar um pelo outro não percebe que um dia fomos as pessoas mais importantes da vida um do outro. Entre nós, gostaríamos de saber se ainda o somos. Mas as palavras gastaram-se quando o amor acabou. Já não falamos há anos, mas eu ainda tenho todas as tuas cartas e aquelas palavras vão acompanhar-me durante toda a minha vida. Eu faço questão de que assim seja.

Nunca mais falei de nós a ninguém. São os acontecimentos mais recentes que preenchem as conversas de café. Mas quando procuro a parte mais pura de mim, encontro-as nas tuas cartas de amor.

Houve um dia em que enchi uma mochila com velas e uma manta. Tu fizeste o mesmo. Estávamos nas Sanjoaninas. Lembro-me disso porque, enquanto estávamos deitados na noite, o vento trazia o cheiro do mar e o som de um concerto no Bailão. Quando morrer, quero ir para esse momento. E, graças à tua carta de amor, vou saber sempre o caminho para lá chegar.

Wednesday, August 05, 2009

Este sim é para ti, 23

Não há um livro. Existem páginas de um diário. Uma por dia. Primeiro em branco, pode ser tudo, pode ser nada. Eu gosto delas todas, das páginas com desenhos, das aventuras que guardam, dos amores. Às vezes têm poemas e círculos de tinta borrada onde o papel não é liso. Outras devaneios, mortes e flores secas. Gosto delas todas. Gosto da página 23. Não vou arrancá-la. Não vou rabiscá-la. Gosto dela.


Puedo escribir los versos...

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: «La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos.»

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En noches como esta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche esta estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercala mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo"


Pablo Neruda, Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada

Hate Mail

Porque vivemos numa Democracia, que funciona mal, mas almeja ser melhor, hoje publicamos uma carta de um seguidor muito odioso - que, a julgar pelo uso preferencial da segunda pessoa do plural, deve ser lá do Norte. Assim, sinto-me obrigada a dar voz a uma pessoa que dela não devia ter feito uso no infeliz dia em que estes pensamentos lhe surgiram. É uma tristeza. Vamos ouvi-lo e lembrarmo-nos dele para que depois possamos dizer: Não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí. Senhor Cromo, V. Exa. tem a palavra!

O Amor ao próximo

"Vós outros andais muito solícitos em redor do próximo, e a vossa solicitude exprime-se em belas palavras. Mas eu vos digo: o vosso amor ao próximo é apenas o vosso mau amor por vós próprios.
É para fugirdes de vós que andais em volta do próximo, e quereríeis converter isso numa virtude, mas pus a claro o vosso «desinteresse».
(...)
Não suportais a vossa própria companhia, e não vos amais o suficiente, procurais então seduzir o próximo com o vosso amor e doirar-vos com o seu erro.
Eu quisera que todos os próximos e aqueles que se seguem se vos tornassem intoleráveis: assim teríeis de extrair de vós mesmos o amigo de coração transbordante.
(...)
Assim fala o louco: 'O convívio dos homens estraga o carácter, sobretudo quando não tem carácter'. Um procura o próximo porque se procura, o outro porque anseia perder-se. O vosso mau amor por vós próprios converte a vossa solidão num cativeiro".

Friedrich Nietzsche, in 'Assim Falava Zaratustra'

Nota do MaU aMoR:
O senhor obviamente não partilhava o seu Kinder Bueno com os outros coleguinhas na hora do intervalo.