Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Thursday, August 06, 2009

Do Touto para a Pateira

As palavras têm uma magia própria. Depois de ditas, as palavras só se perdem na memória. Não é possível voltar atrás nas palavras. Podemos pôr um Não depois de um Sim, mas isso não faz com que o Sim desapareça.

No séc.XXI- aquele que não tem poesia, lembram-se?- escrevem-se mensagens e e-mails, mas escrevem-se poucas cartas e isso faz toda a diferença. Já apaguei muitas mensagens, números de telefone e e-mails. Já bloqueei pessoas do meu msn. Mas nunca fui capaz de pôr fora uma carta de amor. Nem sequer uma carta de amizade.

De vez em quando encontro-as, outras tantas procuro-as. São como bilhetes de avião para outros tempos e lugares. Tenho muita sorte, todos os meus amigos o dizem, mas eu só acredito mesmo nisso quando abro a minha gaveta cheia de cartas de amor.

São todas do Touto para a Pateira e, apesar dos nomes serem ridículos, nada mais nelas o é. Pus fora tudo o resto, sobretudo os presentes caros que comecei a receber quando nos começámos a perder um do outro. Mas pus fora também os mais pequenos. Guardei só as cartas de amor, os desenhos e as fotografias, as provas de que aquelas pessoas realmente existiram.

Hoje, quem nos veja passar um pelo outro não percebe que um dia fomos as pessoas mais importantes da vida um do outro. Entre nós, gostaríamos de saber se ainda o somos. Mas as palavras gastaram-se quando o amor acabou. Já não falamos há anos, mas eu ainda tenho todas as tuas cartas e aquelas palavras vão acompanhar-me durante toda a minha vida. Eu faço questão de que assim seja.

Nunca mais falei de nós a ninguém. São os acontecimentos mais recentes que preenchem as conversas de café. Mas quando procuro a parte mais pura de mim, encontro-as nas tuas cartas de amor.

Houve um dia em que enchi uma mochila com velas e uma manta. Tu fizeste o mesmo. Estávamos nas Sanjoaninas. Lembro-me disso porque, enquanto estávamos deitados na noite, o vento trazia o cheiro do mar e o som de um concerto no Bailão. Quando morrer, quero ir para esse momento. E, graças à tua carta de amor, vou saber sempre o caminho para lá chegar.

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