Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Sunday, July 26, 2009

Não te deixarei morrer, Caneco

Aprendi a fumar na janela do teu quarto em Benfica. Não foi o nosso primeiro cigarro, mas foi a partir daí que começámos a fumar. Estavas sentada na cama, eu encostada à janela. Ouvíamos Jorge Palma no repeat e pensávamos em como o Amor nos tinha traído. Não o conseguíamos mesmo perceber. Tentámos muito e sofremos muito por isso.

Escrevemos cartas, mensagens, contos. Tivemos encontros na praia, cruzamo-nos casualmente na escola. O Amor piscava-nos o olho, mas não nos agarrava. Não da forma que queríamos. Por isso, inventámos histórias. Imaginámos o futuro e tentámos decifrar o passado. Juntas. Todos os comos e porquês de cada acção ou palavra serviam para medir o sentimento, encontrar-lhe um sentido para além do óbvio, tirar-lhe a pulsação e optar entre declarar o óbito ou dar-lhe uma última injecção de adrenalina. E nós, Caneco, nós optámos sempre por o deixar viver. Por o embalar ao som de Jorge Palma num ambiente escuro de fumo, onde ninguém visse as nossas lágrimas. Porque nós temos o cabelo cor de trigo e a sina que vem com ele.

Essa mesma sina fez com que, sete anos mais tarde, a situação não fosse muito diferente. Juntámos-lhe outras coisas: eu fiz o vodka, tu puseste Dave Matthews Band a tocar. Desta vez, não ficámos a falar até tarde. À volta da mesa, a minha história era demasiado diferente da tua, mas ambas estávamos atarantadas com o Amor. Sete anos depois, continuávamos a não o perceber, mas desta vez, não nos estávamos a esforçar. Juntas, em silêncio. Em silêncio porque quando perdemos a esperança no Amor, perdemos também as palavras. Desta vez, não ficámos a falar até tarde. Mas tu disseste: "Espero que a tua história corra bem, se não, deixo definitivamente de acreditar no Amor".

A fumar um cigarro na minha janela. A ver o fumo serpentear na noite clara, estou a pensar em ti e estou com medo. Tenho medo de que deixes de acreditar no Amor porque sei que, se perdermos a fé na beleza, vamos ser só mais duas, duas tontas, duas alcoólicas, duas cobardes que a vida vai chupando até secar. E, mesmo que estejamos juntas, vamos aprender a ser infelizes.

Deixo-te aqui um dos poemas que um dia lemos no chão do teu quarto. Mas não te vou dizer que ele está aqui.

"no tempo em que éramos felizes não chovia.
levantávamo-nos juntos, abraçados ao sol.
as manhãs eram um céu infinito. o nosso amor
era as manhãs. no tempo em que éramos felizes
o horizonte tocava-se com a ponta dos dedos.
as marés traziam o fim de tarde e não víamos
mais do que o olhar um do outro. brincávamos
e éramos crianças felizes. às vezes ainda
te espero como te esperava quando chegavas
com o uniforme lindo da tua inocência. há muito
tempo que te espero. há muito tempo que não vens."


José Luís Peixoto, in a criança em ruínas

2 comments:

Sílvia said...

Ó bananix, és a maior. estou cheia de lágrimas!

Nastenka said...

Encontraste-o! Eu dei uma ajuda, facilitei a coisa... Mas estou feliz por o teres encontrado! E por teres gostado também.