Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Wednesday, October 28, 2009

Piedade por Angeline



Quando desembarcou em São Jorge, Angeline, the prettiest mess you've ever seen, estava bem à altura do seu nome. Durante uma viagem de seis horas num grande imbróglio de ferrugem que gemia e tremia como um cobarde, tivera tempo para perceber a sua situação: não é que tivesse andado à procura do amor, mas tinha-o encontrado. No lugar errado. E por isso, toda ela estava agora em carne viva.
No porto das Velas, mais do que o grande saco de desporto, o que ela carregava verdadeiramente era o peso das memórias e das perguntas que elas geravam. De tudo, o que mais lhe custava aguentar era a sensação de se ter enganado. Sim, era uma mulher orgulhosa. Considerava-se perspicaz o suficiente para distinguir à distância um gracejo de uma palavra sincera - eu bem lhe disse que essa altivez seria o motivo da sua queda. Mas, mais do que tudo, foi o seu coração demasiado benevolente que a baptizou. Foi a sua sede de aventura que a levou para o buraco onde está agora. Pensou que era diferente sem perceber que o que realmente pensava era que ela era melhor do que nós.
Angeline era assim, não negava uma oportunidade a ninguém a quem quisesse dar uma oportunidade. E ria disso, como ria de si própria. Pensava no quanto a vida era excitante e tentava descobrir o que é que havia em si que tanto atraia e fascinava as outras pessoas jurando que, se algum dia a conseguisse encontrar, que cortaria fora essa sua parte e mandaria à sua amada prostituta. Tal como Van Gogh.
Quando Angeline conheceu a prostituta ia assim, a rir, sem pensar, acreditando que era esse o seu grande trunfo: não querer nada da vida e muito menos dela. Mas depois do primeiro encontro, começou a haver medo no seu coração. Disse-me uma vez enquanto fumávamos um charro na Baía da Salga que já sabia de cor todas as canções preferidas da prostituta. Não gostava da maior parte, mas dava por si a ouvi-las no carro e a falar delas aos amigos.
Eu disse-lhe para parar, ela respondeu que ia pôr o pé bem lá no fundo do acelerador. Olhem para ela agora. É aquela ali, com o saco de desporto e o coração despedaçado.

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