Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Tuesday, October 20, 2009

What's your heart's desire today, sweetie?

Nunca. Nunca é das minhas palavras favoritas por encerrar em si uma espécie de feitiço. Quando se diz nunca está-se a desafiar a existência. Alguém toma como certo ser dono do seu destino, a existência sorri, esfrega as mãos de contente, leva o seu tempo e depois mostra a essa pessoa que ela é apenas um barco que navega num mar imenso e fora do seu controlo.

Dou comigo muitas vezes a fazer coisas a que tinha negado qualquer possibilidade de futuro com um nunca. Rio de mim nessas alturas. E rio porque ser surpreendente é a minha característica favorita da vida. Rio porque sou imensa, mas pequena ao mesmo tempo. Quero certas coisas, mas sei que por as querer isso não significa que sejam o melhor para mim. Sigo o meu caminho, sigo o meu instinto e, mais do que outra coisa qualquer, sigo o meu desejo. Seja até um quarto de hotel ou para um outro país, a sensação que dá cá dentro é a de correr. Fugir deixando tudo para trás. Correr atrás do que verdadeiramente interessa. Metaforicamente, é chegar a uma secretária cheia de papéis, relatórios e actas e atirar com tudo para o ar. O desejo é a suprema liberdade.

Às vezes perco-me em todo esse querer. Chamo febres a essas fases porque, apesar de serem intensas, já aprendi que passam. Acordar com uma coisa na cabeça, comer com ela na cabeça, vê-la na nossa cabeça, o dia a passar sem que o sintamos, varrer o chão com ela na cabeça e chegar à cama cansada, mas ainda a querer adormecer com ela.

As febres passam, mas há desejos que ficam. E parece-me que os que ficam são a melhor definição possível de quem somos. Não a cor favorita, o nome, a idade ou sequer algum gosto porque esses são, mais do que tudo, a nossa reacção a uma realidade que nos é apresentada: ou nos é agradável ou não é. O que queremos, por outro lado, não tem nada a ver com o que nos rodeia. Ser filho de mineiros e ter o desejo profundo de ser mergulhador, viver no Sara e procurar na imaginação o toque da neve. Nós somos os nossos desejos.

Nunca. "Nunca vais conseguir". Há sempre alguém por perto que tem gosto em dizê-lo. É nessas alturas que eu penso em dois amigos meus. O primeiro, diz-me constantemente que tenho de reduzir o desejo sem se aperceber que, se eu o fizesse, estaria a cortar uma parte de mim na mesma proporção. O outro, mais sábio, diz num inglês meio manhoso "If you have enough will, if you are stubborn and if you have enough imagination". Gosto deste segundo amigo à brava. Chama-se Ryszard Kapucinski e ouvi-o dizer isto no primeiro dia em que consegui ouvir a sua voz. Dois anos depois dele ter morrido.

Oiçam-no também a partir dos 8:38 m


1 comment:

[Im]Perfeita said...

O "nunca" tem piada! Faz-me pensar logo de seguida no "será que...?"