Mau Amor

"I realized these were all the snapshots which our children would look at someday with wonder, thinking their parents had lived smooth well-ordered lives and got up in the morning to walk proudly on the sidewalks of life, never dreaming the raggedy madness and riot of our actual lives, our actual night, the hell of it, the senseless nightmare road"

Jack Kerouac, On the Road - The Original Scroll



Wednesday, October 14, 2009

Summer of 09



As manhãs e as noites são as alturas mais difíceis para os doentes depressivos. São os momentos do balanço, tanto do dia que acabou como do que está para começar. Pensa-se no que ficou por fazer nas doze horas que entretanto passaram e em validações para as seguintes. Vistas assim as coisas, é fácil alargar a teoria a todas as pessoas e não apenas aos depressivos. Todos precisamos de arranjar uma forma de estar em paz com o que passou. Quase tanto como precisamos de uma razão que justifique abandonar a dormência que a cama facilita.

No outro dia ouvi uma personagem televisiva feminina afirmar que as mulheres lamentam os homens com quem foram para a cama enquanto os homens lamentam as mulheres com quem não foram. Parte portanto da premissa de que aquilo que se procura na cama varia consoante o sexo sendo que serão mais básicas para os homens e mais sentimentais no caso feminino. Acho que o enfoque está errado.

As manhãs boas trazem-me à memória o gosto de um beijo e o calor de um cena de lençóis que agora consigo ver de fora enquanto expectadora e já não no papel de actriz principal. Abençoadas e doces curtas- metragens que me levam ao espelho da casa de banho com um sorriso malicioso.

As mulheres do séc.XXI já sabem que lá por passarem uma noite com um homem isso não significa que se fale de amor na manhã seguinte. E, se há homens que saltam como uma mola da cama depois de terminado o ritual, também há mulheres que respiram de alívio quando o vêem apertar o cinto à pressa e dormem profundamente depois do bater da porta.

Aparte umas seitas estranhas espalhadas por esse mundo fora já ninguém se guarda para o Special One. Hoje o sexo para uma mulher é o mesmo que para um homem: uma imensa caixa de chocolates variados em que quando um nos parece apetitoso leva-se à boca. Claro que queremos encontrar o perfeito para nós, o nosso Special One, mas já sabemos que haverá uns quantos de pistachio (blargh!!) até o encontrarmos.

Então porque é que as mulheres choram no dia seguinte? Nunca ouvi falar de um homem que chorasse por ter passado uma noite com uma mulher. Podem arrepender-se, mas não choram. Não vão tomar um banho dois dias depois com uma sensação de sujidade que não sai com gel duche ou sabonete.

Por mais êxito que o Sexo e a Cidade tenha tido ainda não destronou em audiência a Bela Adormecida ou a Branca de Neve e os Sete Anões (exemplos curiosos este dois: em ambas as histórias as princesas são despertadas por um beijo). Quando acha que encontrou um princípe o que mata a mulher nas manhãs e nas noites seguintes é a ausência de magia. Um enredo enfadonho. Um fim abrupto para a história que prometia um final hollywoodesco. A cabeça perde-se num redemoinho de perguntas e as mulheres experientes - ou melhor, as desligadas- sabem que não existem respostas. Não temos de lhe tentar encontrar explicação.

Não são as posições sexuais, o número de orgamos ou sequer a falta deles. É o que se deu antes e depois disso acontecer. A preocupação, o carinho, as gargalhadas que se partilharam na mesa do pequeno-almoço, a intimidade, o afagar do cabelo, saber o cheiro do suor dele. Quando nada disso existiu as manhãs e as noites são de sono profundo e descansado. Mas depois de um passeio ao luar de mão dada ao som de uma música melosa as manhãs e noites seguintes têm fantasmas aterradores.

As mulheres acham sempre que foram enganadas, que foram tolas em acreditar, em não ter sabido ler os sinais. Da mesma forma que um bêbado quando passa mal jura que nunca mais vai voltar a beber um gole de alcóol, um coração magoado promete fechar-se no próximo rendez vous sem perceber que fazendo-o está a encurralar-se numa mansão abandonada.

O coração é um boxer profissional. Está habituado a que lhe partam a cana do nariz e cuspe sangue como um velho escarra para o chão. Apesar de tudo, devo confessar: o meu coração está a ficar cansado.

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